quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Mutilação

A ossada posta em pressão sobre os joelhos trazia-lhe sensações dolorosas não só físicas, mas não menos fisicamente consistentes. Mas não levantava e não levantaria, preferia continuar rebaixada, aliada aos seres marginais que habitam as camadas mais ermas e rarefeitas do solo. Juntou o rosto ao chão e não sentiu as ressalvas das mechas recém mutiladas, unidas pela salobra lacrimal.
A lucidez espectral recém adquirida havia feito subir-lhe na garganta nojo. Primeiro viera o riso, depois aversão de si mesma. Ria por causa do ridículo da tesoura desgovernada, da imagem desfacelada; ria compassadamente porque havia concordado em personificar a loucura que lhe atribuíam.
Pois bem; estava ali, livre dos cabelos minuciosamente padronizados. Nem eles a haviam transformado parte do todo que vivia. Com quantos escrúpulos se faz alguém pertencente à sociedade?
A sua imagem defronte, o ódio. A incompetência era incumbida à sua existência, não tinha capacidade de sujeitar-se. Era simplesmente avessa aos preceitos e características da cartilha básica. Não compreendia os porquês e os o quês e castigava-se pela carência de graça.
As cores do amanhecer já invadiam a sala e ela permanecia ali, resguardada a sua condição de marginal a sociedade. Venderia sua alma ao diabo só para compreender todos aqueles que a condenavam. Talvez eles que tivessem o feito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário