domingo, 1 de novembro de 2009

A angústia é azul

Como Trois Couleurs: bleu compõe a liberdade em notas tão aflitas e sinceras.






A tela é encoberta até o infinito por uma tonalidade serena de azul, sendo o próprio conceito de calmo se não houvesse o corpo da gélida Julie, feita por Juliette Binoche, debatendo-se à exaustão para alcançar as fronteiras da piscina. O volume de águas oscilante decairia facilmente ao clichê e cansativo se não fosse feito da maneira que o é em A liberdade é azul, filme do polonês Krzystof Kieslowski. De maneira sublime, e acima de tudo artística, o filme situa-nos mais que a liberdade, e mais ainda que a angústia remetida aqui: é a exposição de um grande relato dos anseios humanos provenientes dos mais fundos âmagos.
O título, lançado em 1993, inaugura a trilogia das cores produzida pelo diretor em parceria com a França, sendo que os outros dois títulos em português são A fraternidade é vermelha e A igualdade é branca, ambos lançados no ano de 1994. Cores escolhidas em referência à bandeira francesa.
Julie, francesa de trinta e três anos, sobrevive a um acidente de carro que provocou a morte de seu marido, um importantíssimo compositor da Europa, e de sua filha pequena. Ela sofre, mas não recai ao exposto e ao piegas do choro exacerbado e do corpo tomado pelo desânimo. Ela tenta se livrar de toda e qualquer evidência do passado e se muda para um bairro suspeito da cidade, com a pretensão de vida de fazer nada. Mas o nada é a última coisa que a encontra. ‘É preciso agarrar-se a alguma coisa’, é o conselho de um mendigo, que predestinadamente, dá-lhe a fórmula da sobrevivência. Mas seria inverdade negar a vontade de sobrevivência de Julie.
Seu jeito atroz e seco para lidar com suas dores é dissolvido no rompimento do silêncio com a música que foi composta pelo seu finado marido, para o hino da União Européia, que estava prestes a consolidar-se na época.
Música que é “desrigecedora” de quaisquer queixos, executada pela Orquestra Sinfônica da Tchecoslováquia, é composta pelas notas de um sofrimento não pessoal, mas completamente compartilhável. É reconhecida a música do marido na melodia executada por um artista de rua no sopro da flauta, evidenciando o caráter universal não só da música, mas da angústia. A consternação, a expiação, a aflição da personagem, embora externadas de maneira fria e ímpar, são também universais. A liberdade é azul toca tanto porque é de fácil reconhecimento.

Um comentário:

  1. Sou apaixonado por esse filme e voce o descreve maravilhosamente bem.
    Espero que voce escreva sobre os outros dois !

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