domingo, 30 de agosto de 2009

Noite de dezoito primaveras

Acústica do tinir metalizado sobre a louça portuguesa. Corre pelas faringes vestígios de massa mal triturada. Bem temperada, sem sal, ao queijo; nem sei. Sei apelas que ela escorre religiosamente, com paladar de desconsolo.
A vista feminina busca inutilmente pelo relógio, já propositalmente sem tempo. Imagina que as pilhas acabaram, logo hoje! Suas mãos "relevoosas" marcadas pelo ganha-pão voltaram-se para o infinito prato. Como boa oradora que era tentou sibilar algumas palavras cotidianas, mas acabou deixando-as ao relento. Maternalmente dobrou o guardanapo e limpou os lábios como se o beijasse atenciosamente, em um movimento eterno que ao mesmo tempo que me angustiava me trazia anseio de volta de tempos pretéritos.
Corro minha atenção pela longa mesa de magno e conto nas paredes os vestígios de mofo jovem. Pontos negros que se ampliam até fundirem-se em uma incomodante mancha que, parodaxalmente, essencia-se nos locais em que mais prezo a limpeza de meu lar. Ou casa, já desconheço. Indícios de uma infantil, mas significativa derrota. Estranha metáfora da situação.
Trinca de copo de bebida. Deixa, esqueça; nunca gostei dele. Desculpas quase forçadas, mas agradecidas. Sempre fora uma figura máscula, mas com suor de autoridade confiável. Raspa os restos do prato impacientemente, sem pretensão de contato. Assim como as mulheres "rocamboleiam" as madeixas os sentimentos temerosos, roça sua calejosa mão no eufemismo de barba mal feita. Lança uma respiração fumegante, inquieto. Ele quer acender um cigarro, quer uma dose de cachaça, quer mulheres. Maqueia em suas masculinidades suas decepções tão transparentes.
Olhos fugitivos. Opoem-se à possibilidade de qualquer compartilhamento; encolhem-se nas cadeiras opostas, apesar dos pensamentos iguais. Pratos limpos e retirados. Sem sobremesa; ironicamente senti ali a doçura certa.
Intrinsicamente egoísta realizei o êxito de todas as vontades de minh'alma. União dos cacos repelentes (a mim essenciais), mesmo que momentaneamente. Fitei fotograficamente mais uma vez. O gato, a mãe, o pai.

2 comentários:

  1. Poxa vida, você escreve tão bem. :) Parabéns, mesmo :*

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  2. Que texto interessante. Sua prosa tem um quê de fluidez e surpresa muito legal!

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